Uma coisa que definitivamente estamos mais do que acostumados a observar por aí o tempo todo, são frases como “estamos em crise, é momento para usar criatividade e encontrar soluções”.
Será que é isso mesmo? Será que ser criativo – o que quer que isso signifique – basta? Ou será que a tal da criatividade é apenas mais uma maneira que grandes gurus, em posições confortáveis, diga-se de passagem – encontraram para te vender mais uma ideia distante das realizações possíveis?
Veja, a criatividade é a expressão humana por natureza. Não temos nada contra a criatividade. De fato, ela é algo que pode transformar tudo, mas o ponto aqui é: transformações não são sempre possíveis. Listamos aqui alguns motivos pelos quais o tema “criatividade” é um dos mais antigos jargões dos negócios, e talvez justamente por isso alcançou um lugar de conforto onde serve como basicamente resposta para tudo, e dessa forma, quase sempre, significa resposta pra nada.
Vamos lá!
1- NÃO É PRECISA
Quando falamos de criatividade – mais uma vez, o que quer que isso signifique – falamos de algo essencial, amplo, genérico e muito pouco preciso. Dizer a alguém que ele precisa ser criativo, tem o mesmo peso que dizer que ele precisa ter fé, ou precisa ser esperto.
O que DE FATO isso quer dizer?
Tudo soa criativo para quem tem poucas referências.
Claro, existem mundos onde a criatividade, até mesmo por sua natureza genérica, é a alma do negócio: quando falamos da arte, do entretenimento, etc., falamos sim desta criatividade divinal , porém, dentro do mundo corporativo a criatividade pode mais atrapalhar do que ajudar. A criatividade sempre será referência pra tudo, mas ela é uma premissa das artes, não dos negócios: separando as coisas a gente consegue garantir que as duas fluam bem e que os negócios possam se referenciar no mundo das artes, mesmo quando precisarem ser criativos.
Exigir ações e respostas criativas no mundo empreendedor é uma situação complicada.
Primeiro pois limita a referência através da auto referência, ou seja, você não precisa de referências, observações. Você não precisa de BASE, de bagagem, você precisa SER criativo. O que você precisa está dentro de você.
Sim, tem gente que começa o discurso com “olha, criatividade é um método, você pode aprender, não precisa nascer criativo” -e aí você pensa que consegue o que quiser, mesmo não tendo sido tão agraciado geneticamente com o dom da criatividade. Claro, geralmente a pessoa que, em algum momento vai dizer “e você pode aprender esse método comigo”. Mas deve ser só coincidência.
Por não se tratar de um termo preciso, um termo que se encerre em alguma definição precisa, a criatividade pode ser tudo e pode ser nada. Nos negócios a coisa não funciona assim, o que nos leva ao próximo item.
2 – NÃO É AUDITÁVEL
Se não dá pra definir, não dá pra medir.
Não sou a pessoa mais preciosista quando o termo é tangibilidade das coisas. Gosto sim de valores intangíveis e acredito que são imprescindíveis até mesmo dentro do universo empreendedor.
Porém quando se trata do termo “usar a criatividade” isso e parece tão leviano que deixa de representar a necessidade do intangível essencial e passa a representar a balela.
Vamos voltar para as artes: como você classifica que uma obra de arte, qualquer que seja, um filme, um livro, uma música, uma escultura, enfim, como você determina se aquilo foi de fato criativo ou não?
Mais uma vez, para cada um, uma verdade. O que um considera criativo é nada mais que enfadonho para outro. A percepção da criatividade é sempre uma questão de referência, portanto é subjetiva.
Tudo que é subjetivo não é auditável. Eu posso bater o pé dizendo que o seu trabalho não tem a menor criatividade e você reagir dizendo que sou eu que simplesmente não consigo entender. Ambos podem estar certos.
Um terreno sem a mínima capacidade de ser auditável é sempre um terreno com a máxima abertura à picaretagem.
Além disso, no mundo corporativo, não dá pra medir o quanto uma coisa trouxe resultados ou não pelo fato de ser criativa – o que quer que isso signifique.
É algo, no meu ponto de vista, muito próximo aos números do ibope, algo muito anos 90. “Tá, beleza, consegui 40 pontos no ibope. Muito legal!”
Quem assistiu? Não é tudo uma estimativa? Será que estavam prestando atenção? Será que isso vai resultar em compras? Tá, nos anos 90 resultava sim, uma vez que a gente não tinha outra alternativa, mas hoje? A criatividade é mais ou menos a mesma coisa. O que essa forma criativa de apresentar a criatividade que você criativamente criou para o meu negócio criativo traz de resultados?
Eu posso dizer que na verdade os resultados vieram do investimento no tráfego pago, e você me dizer que os resultados foram da frase criativa na home do site.
Ambos podemos estar certo e/ou errados.
Jamais saberemos.
3 – NÃO TEM PRAZO
Quanto tempo pra sair uma obra criativa aí da sua cabeça?
Me fala aí, sua criatividade funciona em horário comercial ou só depois das 18h?
Consegue me fazer algo criativo aí em 15 minutos? O cliente tá com pressa.
O que eu entendo é que criatividade não tem tempo.
As grandes obras da criatividade humana, mesmo as que foram expressadas no mundo empreendedor, são obras que ocorreram ou na lentidão do tempo pessoal ou no momento eureca do surto.
O mundo corporativo não pode contar com nenhum dos dois.
Mais uma vez, muita gente alega que tem métodos para focar a criatividade em construir coisas criativas dentro de prazos, mas no meu ponto de vista já não estamos mais falando de criatividade, estamos apenas dando o nome de criatividade para uma metodologia qualquer. Vale reler o tópico um.
Ocupamos todos os mesmos espaços mas em tempos diferentes. O tempo agrário é um. O da arte é outro, o tempo acadêmico, mais um, e o tempo dos negócios é outro também. Os tempos correm paralelos mas em velocidades diferentes. A criatividade tem seu tempo e ele é bastante diferente do tempo do mercado. Não há um tempo que seja melhor que o outro, são apenas tempos diferentes.
4 – NÃO TEM ORIGEM
Criatividade, latto senso, é tudo que surge, que aparece. Muitos “especialistas em criatividade” – o que quer que isso signifique – tendem a criar caminhos lineares, métodos conceptivos, e até rituais infalíveis para se tornar criativo, ou criar algo criativo.
Todo mundo precisa fazer seu dólar, eu entendo, mas isso não é criatividade. Mais honesto seria darmos outro nome. Há um desserviço à própria criatividade quando a confundimos com métodos solucionais para os negócios.
A criatividade é a expressão humana e expressão controlada não é expressão.
Ao levar a ideia de criatividade para o mundo corporativo estamos conseguindo a proeza de ao mesmo tempo destruir as duas coisas: as possibilidades de resultados corporativos e a natureza magnífica da criatividade. Quem fala que criatividade e negócios andam juntos não entende nem de criatividade nem de negócios.
Criatividade é, portanto, uma força bruta e irrefreável da natureza humana. Não faz nenhum sentido entendê-la como um método em si. Isso só acaba gerando essas epopéias decadentes da empreendedorismo atual: a “sala da criatividade”, o “cantinho da descompressão”, as “casual fridays”, o “diretor de criatividade”, enfim, esse calhamaço plástico e apelativo de qualquer coisa, menos de criatividade.
O que quer que seja que a criatividade seja, ela não é um lugar, ela não é uma coisa, ela não é um livro, ela não é uma data, ela não é um ponto, ela não é pontual.
Muita gente está fazendo diversas outras coisas e chamando de criatividade. Muita gente nem é tão criativa assim.
5 – NÃO É COLETIVA
Criatividade não é algo simples de se definir, mas uma coisa é certa: ela não é algo coletivo. Se uma equipe de 50 funcionários é paga para pintar a capela sistina, seu trabalho não será considerado criativo. A criatividade, além de artesanal, é pessoal.
As pirâmides são lindas, um imenso trabalho do gênio humano: do gênio que as imaginou. Quando Imhotep sonhou com a pirâmide de degraus de Sakkara, ele foi criativo. As centenas de funcionários que a construíram, não. Imhotep passou a ser adorado como um deus, os demais envolvidos no projeto, não. Nem mesmo o faraó Djsoser, o faraó que bancou a empreitada.
O sagrado da criatividade é isso, é nascer de uma pessoa. “Criatividade coletiva” ou um nome que damos pra outro método ou é na verdade guiada por um gênio e sua vaidade delicada.
No mundo empreendedor, gênios são um risco elevado demais. Podem sim dar certo, mas é uma loteria daquelas.
Em geral, gênios atrapalham tudo. São um poço egóico de ócio puro. Tendem a concertar as coisas em suas mãos e não permitirem opiniões diversas. Ao primeiro sinal delas, ou as atacam ou zombam.
Por serem levados a acreditar (por um séquito de puxa-sacos ávidos pela aprovação de seu ídolo) que já sabem tudo o que se precisa saber, ou que, se não sabem, a luz divina que possuem, lhes guiará um caminho único e sólido, tendem a não fazer nada. Sentem-se incompreendidos, desmotivam-se o tempo todo, precisam de aplausos (por mais que insistam que não) e, uma vez que são os donos das ideias, esquivam-se automaticamente de sua execução.
Hoje aprenderam a discursar que “se preocupam com o trabalho coletivo” ou ainda “tenho a humildade de aprender”, mas esses são discursos para reforçar sua autoridade e afagar sua vaidade frente às possíveis críticas que virão.
Gênios são preguiçosos e acreditam que seu tempo vale mais do que o dos outros, por mais que digam que não. Claro, é em seu tempo que as coisas serão solucionadas, não é mesmo?
Gênios são um porre, mas a criatividade é algo genial, portanto oposta a qualquer tipo de mentalidade laboral de hoje em dia, que possui bases coletivas, flexíveis e dialogadas.
Ou você é criativo ou você vive a mentalidade empreendedora de hoje em dia.
Quando o Will Smith, na icônica cena de “Eu Robô”, baseada na obra do (esse sim) gênio Isaac Asimov, pergunta para o robô “um robô pode compor uma sinfonia? Um robô pode pintar uma tela?” e o robô responde “você pode?”, era disso que estava falando: é doído mas enxergo como uma verdade, criatividade não é pra todos, é um pacote individual, assim como algumas pessoas tendem a ser melhores em matemática e outras em esportes, a criatividade é uma mistura genética, cultural e cognitiva que altera a expressão de um determinado indivíduo frente sua realidade. Aquilo que é pra todos, aqueles métodos diversos que nos vendem como forma de se tornar mais criativo, não se chama criatividade – é só um envelope que pessoas pouco criativas desenvolveram para te venderem emulações de uma criatividade plástica e pouco útil, a não ser pra essa própria pessoa.
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