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O banheiro do McDonald’s

Semana passada uma unidade do McDonalds no município de Bauru recebeu uma multa da prefeitura da cidade por manter no local uma espécie de “terceira opção” de banheiro, ou seja, um banheiro multigênero. Segundo a prefeitura, o tal banheiro estaria violando “o código sanitário” de Bauru.

Para além do já altamente bizarro fato de diversas pessoas estarem acusando a medida de uma das marcas símbolo do capitalismo mundial de “comunismo”, ao mesmo tempo em que exigem que o estado tome medidas coletivas proibitivas – dessas de fazer Stalin sorrir satisfeito no túmulo, tudo isso, é claro, serve como ponto de análise sobre posicionamento de marcas – e é a isso que quero me atentar nesse artigo. E não, posicionamento não é algo que ocorre apenas no discurso da marca, mas também, claro, em sua operação.

Sob a perspectiva de empreendedores, pensando enquanto marca, enquanto mercado, enquanto uma das maiores empresas do mundo, muita gente deve estar se perguntando: afinal, o McDonalds erra ou acerta ao abraçar uma medida como a de possuir um banheiro multigênero?

Na minha opinião, a pergunta é que está errada. Não dá pra considerar posicionamento como certo ou como errado. Dá pra considerar posicionamento como alinhado ou desalinhado a um determinado grupo de interesse. 

Isso, é claro, falando apenas sob uma visão fria, técnica e pragmática.

Há, no entanto, muito mais do que isso em jogo, sobretudo quando  – friso – se trata de uma das marcas símbolo do capitalismo no mundo todo: com certeza o McDonalds, a Coca-Cola e a Apple estarão em destaque em alguma espécie de material didático de pessoas que porventura venham a estudar a história do nosso tempo no futuro. A movimentação geral de uma marca como o McDonalds ajuda a representar a própria movimentação do pensamento da sociedade, uma vez em que vivemos em uma sociedade capitalista baseada, sobretudo, em consumo. Dessa forma, não é uma marca que pode se posicionar de maneira leviana, sem estudos ou mesmo responsabilidade (de alguma forma) com as questões morais de seu posicionamento, muito embora as questões morais de seus produtos sejam altamente discutíveis. Dentro da nossa dinâmica social, o McDonalds é como um imenso país, muito rico, muito importante, e o principal, presente em todos (ou quase todos) os demais países de fato, do mundo. É uma supra-nação que pode sim estar movimentando toda a postura moral e ética de sua população para um lado ou para outro. 

Em resumo: é grande. 

O McDonalds e grandes marcas em geral, são não só um termômetro como também um importantíssimo agente incentivador, e embora a grandiosa prefeitura de Bauru entenda como… Como foi mesmo que disseram? Ah! “Violação do código sanitário”, ela é incapaz de perceber o tamanho do quadro todo onde está inserida, e onde o pintor é muito mais um Ronald McDonalds do que um Lineu Silva qualquer de um de seus departamentos.
Em matéria na Meio & Mensagem, Mauro Segura, Líder de marketing da IMB no Brasil, nos assegura (desculpa, eu não resisti ao trocadalho do carilho), que “o terceiro banheiro é uma evolução da sociedade”.

Na minha opinião, não existe algo como “evolução” da sociedade. Há transformações, evolução é tudo uma questão de quem conta a história e sob a perspectiva de qual moral vigente: a sociedade não caminha em linha reta de A para B – ou pelo menos não há prova alguma disso. 

Banheiro do McDonalds de Bauru, assim como filmado pela inconformada senhora.

O momento de efervescência que estamos transitando é de transformação, e embora nunca tenha havido um momento sem transformação, é inegável que as proporções atuais são inéditas e de proporções absolutamente titânicas.

Duas coisas são importantes para serem notadas nessa situação: por um lado a tentativa inclusiva da marca sob o ponto de vista de que dificilmente um terceiro banheiro causaria danos aos mais ferrenhos usuários dos dois tradicionais, e, é claro, a veemente energia gasta por quem não se sente confortável com este tipo de inclusão.

Os primeiros problemas com banheiros multigêneros ou agêneros começaram em 2008 em uma universidade na Inglaterra, e de lá para cá estão sempre indo e voltando à pauta com ligeira frequência. 

É indagável se essa repercussão teria ocorrido antes, ou seja, nos anos 90 ou mesmo 80, onde é possível que os mais conservadores exigissem, na realidade, um destes banheiros, para que não fossem obrigados a frequentar o mesmo banheiro de pessoas transgêneras, agêneras ou não binárias.
O caso específico do McDonalds de Bauru, no entanto, trazia banheiros INDIVIDUAIS, ou seja, ninguém frequentaria o banheiro ao mesmo tempo que qualquer outra pessoa, de mesmo gênero ou não – como de fato ocorre em MUITOS lugares por aí onde há somente uma cabine. No McDonalds haviam quatro – em aviões, na mesma situação, existe apenas um.

A questão toda, no meu ponto de vista, é muito mais em decorrência de a medida estar, por assim dizer, “agradando” um ponto de vista inclusivo, do que de fato pelo que um banheiro desses poderia causar.  

Isso sim, é ainda mais assustador.

Como disse, transformações são inerentes à sociedade em todo o tempo, e a não ser pela força – o que causaria outras transformações – geralmente não voltam atrás. 

O que precisamos levar em consideração aqui, além da histeria coletiva generalizada, é que a equipe do McDonalds, sabendo muito plenamente de por onde andam as tendências (ora, temos que notar que o McDonalds, não sem atraso, sempre correu atrás das mudanças sociais, como a necessidade de implementação de refeições menos calóricas ou mesmo de um menu premiunizado quando estes estavam em alta), e sabendo também das inflamações que a vanguarda causa, toma pela primeira vez a ousadia do ineditismo que nunca lhe foi uma marca registrada – a não ser no próprio surgimento da marca com uma operação fordista de produção gastronômica.

A risível multa de uma prefeitura no Brasil para uma marca global é o sinal que fortalece o posicionamento. O McDonalds não deve se retratar ou ainda voltar atrás: pela primeira vez desde sua fundação, a marca de San Bernardino assume a dianteira na corrida das transformações sociais frente a seus concorrentes diretos – e espero que não perca o gosto pela vanguarda – e que as demais marcas se aproveitem da vanguarda que ele criou.

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