Como o avanço da Web 3.0 revela que quem dita as regras agora já não é mais o mesmo: entenda como o tabuleiro está sendo configurado de acordo com a dinâmica, medos e anseios da Geração Z.
O progresso da Geração Z para o centro motriz da expressividade social, ou seja, tomando o espaço de quem, de certa forma, conduz o clima sociocultural da sociedade em um determinado momento, é um imenso atrativo para que estudiosos e especuladores criem imensas doses de parecer sobre “como pensa/age” essa geração e o que esperar da dinâmica social à partir de sua suposta supremacia no tabuleiro coletivo, através de sua maior participação dominante nas mídias, mercado, movimentos, artes, etc.
Uma das características mais marcantes em relação a esses estudos é que geralmente partem de óticas muito pontuais e definidas, como por exemplo a ótica absoluta do consumo, da tecnologia, ou do comportamento artístico. O erro, portanto, é a falta de uma visão mais sistêmica e holística de seu comportamento, levando em consideração contextos amplos e não vaidades momentâneas e setorizadas.
Por diversas ocasiões, aqui na Imma, insistimos que a dinâmica das gerações balança pendularmente entre dois pontos fundamentais: o material e o existencial, que por vezes chamamos de liberal e conservador, mas como os segundos são termos arriscadíssimos hoje em dia, optamos pelos primeiros.
Sendo assim, há uma força no clima sociocultural, decorrente de seu próprio conceito histórico, que impele organicamente o surgimento de gerações de um tipo ou de outro.
Claro, devemos lembrar que estamos aqui falando de gerações sob a perspectiva da história ocidental, ou seja, de acordo com a conjuntura, enredo e coerência da história ocidental, que atualmente segue e prega valores industriais, liberais (agora sim, no termo político), é capitalista, cristã e de origem (mais recente) britânica.
Além disso, socialmente falando, grande parte desses estudos concentram-se em um nicho de meio termo genérico: falamos com a classe média. Ou seja, pessoas financeiramente muito pobres ou muito ricas podem fugir completamente às regras dessas análises, e merecem outras – são casos mais extremos. Tratar de uma imensa maioria de pessoas que, em geral, vivem entre uma ponta e outra, tende a ser mais verossímil, além de fazer mais sentido, quando estamos tentando lidar com assuntos estatísticos.
Desta forma, claro, qualquer registro desse tipo de estudo pode soar muito pouco real para grande parte do mundo que não faz parte desta sociedade como um todo, ou ao menos que não compartilha de uma mesma base de pensamento, comportamento, objetivos e história.
Dito isto, prossigamos.
Por exemplo, a geração boomer é filha da geração que viveu a Segunda Guerra. São filhos, pois de uma geração extremamente material, que de fato criou (e destruiu) estruturas, e muito pouco pode se expressar – não à toa recebe o nome de “geração silenciosa”. Sendo pois, os boomers, filhos de uma geração que lhes legou estruturas (não podemos esquecer que a geração silenciosa não só sobreviveu à guerra, como fez florescer dela um novo mundo, gerando nele, prosperidade material imediata), tendem a ser mais existenciais, como se pensassem “ok, temos as bases estruturais, agora vamos pensar nas bases essenciais, no pensamento, no viver”. Não à toa também, os boomers foram os hippies, trazendo para o centro do debate social a desconstrução de valores conservadores e materialistas.
Por outro lado, os filhos de uma geração que preocupou-se bastante com questões existenciais e essenciais como a liberdade sexual, quebra de paradigmas, desconstruções morais, etc, tendem a pensar “legal, tá tudo muito bem, a festa está ótima, mas agora alguém tem que arrumar a casa, pagar as bebidas, lavar a louça, botar os móveis no lugar, comprar remédio para a ressaca”. Pronto: nasce aí a (talvez) geração mais material de todas, a geração X, famosa por dar origem aos famigerados “yuppies”.
Trabalho, carreira, casa própria, carro próprio, etc. Estes foram slogans de uma geração que jamais entrou em uma kombi e saiu pelo mundo para “se encontrar”, pois tinha que crescer e morrer no emprego que começou aos 17 e só sairia aposentado. Deixaram um legado material, estrutural.
Por conta disso então, os filhos da geração X, mais uma vez, nasceram com grande estrutura que lhes foi legada, tornando-se então uma geração existencial, ligada a repensar novamente os valores, a vida, a ética, a moral, a sociedade, e assim surge a geração Y (Millennial), famosa também pelos “hipsters”.
Entendendo isso, na sequência, podemos notar dentro das definições deste pêndulo, uma clara distinção entre a inclinação para POSSE e a inclinação para USO.
Gerações mais materiais são aquelas que tendem a uma mentalidade mais ligada à posse, a TER as coisas, seja construindo ou não. Gerações existenciais são aquelas que importam-se menos com as posses, e mais com o uso, com o que a matéria pode lhes proporcionar, mesmo que não as possua de fato, são mais inclinadas a SER.
Veja, enquanto a geração X foi responsável por desenvolver formas mais práticas para que as pessoas pudessem comprar as coisas – no sentido de possuí-las – como o crediário, os carnês, planos de carreira e, ineditamente, profissões estritamente financeiras, a geração Y, muito além de tecnologias sociais e de conexão (como as redes sociais) nos legou com o desenvolvimento de tecnologias mais ligadas ao uso sem a necessidade obrigatória da posse, como (a citar por alto) o Uber, onde eu posso andar de carro sem precisar ter o carro. O Airbnb, onde eu posso morar na praia por um tempo, sem precisar ter uma casa na praia. O Spotify, onde eu posso ter todas as músicas sem precisar comprar cada uma. A lista é imensa.
Pela lógica, no entanto, estamos começando a explorar um novo clima sociocultural, oposto no aspecto desse pêndulo, um clima que é cada vez mais determinado pela geração seguinte à Y, ou seja, é chegada a era da Geração Z – e ela não está aqui a passeio.
Não é preciso ir muito longe para entender que o caminho da POSSE, do TER, e não somente o do USO e do USAR é o que parece começar a ditar a nova dinâmica do jogo: pela primeira vez o termo escassez vem sendo usado para se referir à algum ativo digital, e a escassez é o princípio da posse.
DAO, Tokens, NFTs, criptomoedas, etc, todos esses elementos, claro, permitem o uso, mas sua natureza ontológica é a posse, uma vez que nascem do conceito de unicidade e escassez.
Tudo descentralizado sim – ou até mesmo “multi centralizado” pra ser mais preciso, mas com isso permitindo acesso a fragmentos de posse de ativos como nunca antes.
Qualquer semelhança com uma nova perspectiva geracional sobre a dinâmica de mercado não é mera coincidência.
Estamos de fato entrando no olho do furacão do clima da GenZ, e isso significa, entre outros fatores, que as coisas agora tendem a deixar de lado – sem esquecer o já conquistado, fique claro – o prolixismo da geração Y, ou seja, a densa necessidade de experiência da geração Y, e agora a “vibe” de ordem é TER, são os ATIVOS, e não mais as experiências que eles proporcionam.
Ora, em um mundo onde ativos reais, físicos e analógicos se tornaram totalmente escassos, inacessíveis e distantes da realidade direta da grande maioria das pessoas, além de ser um mundo onde a tecnologia digital avançou para que a WEB3 pudesse existir de fato, não é também de se espantar que a posse se tornou uma posse digitalizada.
Prova disso, é que estamos discutindo “metaverso” em uma linguagem inaceitável para poucos anos anteriores: hoje tratamos com naturalidade a compra – em dinheiro real – de terrenos, por exemplo, totalmente digitais, imateriais.
No começo dos anos 2000, um “second life” (espécie de avô do que se trata o metaverso hoje), era nada mais que uma piada coletiva para se referir a pessoas sem o menor tipo de tato social – pessoas sem “experiência na vida”.
Hoje a conversa é toda outra, parte dos próximos donos do mundo já sabem que antes precisam ser donos do mundo digital.
Dono mesmo, assinado, de blockchain passado e tudo.
É mais uma contrarrevolução que estamos vendo acontecer.
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