Este texto foi originalmente publicado pela Zeit Org.
Dentro da mitologia empreendedora, além do incalculável trabalho exercido sobre os sonhos das pessoas, existe uma forte tendência à aclamação do esforço incondicional como caminho linear para o que esta própria mitologia determina como sucesso. No entanto, como sempre, a coisa não é bem assim: entre o determinismo intempestivo do destino e a infinita possibilidade do esforço, há um meio do caminho onde a vida real acontece.
Hoje vamos falar de contexto e probabilidades, e isso é mais obra da história fática e das ciências de dados do que de um destino divino e irretratável.
Mais uma vez, insisto previamente, embora nenhuma forma do que se chama “destino” seja inalterável, nenhum caminho já nasça traçado para cada um de nós, inegavelmente somos todos parte de um contexto, e este contexto é capaz de ajudar a determinar muitos rumos em nossas vidas. Os rumos-padrão. Claro que toda regra tem exceção, mas vamos nos ater às estatísticas e não aos devaneios da sorte presumida.
Começando com uma pergunta simples: por que alguns lugares “se dão bem” e outros não? Porque os maiores bilionários do mundo hoje são norte-americanos?
“Porque o livre capitalismo desenfreado do país permite que o empreendedor se dê bem” – dizem.
Essa é uma resposta. Uma resposta quase que atual, o problema é que ela é simplória. Não é simples, é simplória.
Há mais que isso em jogo, embora isso não seja de todo mentira.
Por que o Google nasceu nos EUA? Por que a Amazon nasceu nos EUA?
A resposta também é tão simples quanto a pergunta: pelo mesmo motivo que a Renascença nasceu na Itália, que o Barroco se fincou aqui.
Gênios nascem em qualquer lugar, não é mesmo? Por que então, Leonardo DaVinci, Rafale, Michelangelo, Donatello, todos estes, nasceram somente na Itália?
A indústria do gênio é a mesma indústria do milionário.
Vou usar a mim mesmo como exemplo e você vai entender porque todos temos oportunidades, mas algumas oportunidades são mais oportunas do que outras.
O Google foi criado por um cara chamado Larry Page. Certamente o filho dele tem infinitas oportunidades a mais do que eu ou vocês. Se ele vai aproveitar da forma como eu aproveitaria, impossível saber, mas também é impossível garantir e medir. Essa criança, o filho do Larry, é um resultado, ela não nasceu do vácuo, nasceu do contexto.
Larry em si, é um resultado. O fato do Larry Page ter nascido nos EUA, filho de um cientista de computação da Universidade de Michigan, certamente criou mais oportunidades para o Larry Page criar o Google e dar ao seu filho as oportunidades que o filho do criador do Google pode ter.
Não existe descolamento da história.
Certo, então por que meu pai não criou o Google e eu não estou tendo as mesmas oportunidades que o filho do Larry Page? Menos esforço ou menos destino?
Nenhum dos dois, e algo entre os dois, que chamamos contexto.
Vamos à timeline, contextos não se forma do dia pra noite:
Eu sou brasileiro, descendente de libaneses (árabes).
Lá atrás, o Brasil foi uma colônia católica que proibia e perseguia Judeus, afinal, os judeus mataram cristo, não é mais ou menos assim?
Os judeus acharam refúgio nos EUA, que eram protestantes, e, portanto, menos radicais que os católicos e suas fogueiras contra os judeus.
A grande maioria dos judeus da Europa eram, pelo mesmo motivo, de países mais desenvolvidos que os católicos (porque pensaram em desenvolver a ciência, diferente dos países católicos que insistiam que a bíblia era a resposta pra tudo – por isso os grandes nomes da ciência são ingleses, holandeses, alemães. Não que não fossem carolas, só eram mais aberta e honestamente ligados ao dinheiro.
Enquanto isso, a gente desenvolveu as imagens sacras do barroco, e por isso Aleijadinho é brasileiro e não inglês e Isaac Newton, seu contemporâneo, é inglês e não brasileiro.
Com a revolução industrial, a ciência começou a significar dinheiro e poder.
Mais pra frente, com a Primeira Guerra Mundial e a fragmentação do Império Otomano, os árabes fugiram para países que os acolhiam, como os Judeus não gostam tanto assim de árabes e já representavam grande parte dos EUA, relativamente poucos árabes foram para lá.
A maioria foi pra tríplice fronteira, aqui no sul do Brasil. Meu bisavô foi parar em Monte Azul.
Com a Segunda Guerra, os judeus dos EUA acolheram mais ainda os judeus da Europa, fugitivos do regime nazista. Parte da família do larry page inclusa.
Com o fim da segunda guerra, os EUA passaram a investir ainda mais em ciência, principalmente com o começo da Guerra Fria.
Ciência, que antes era dinheiro, passou a ser dinheiro e poder.
Na mesma época, o Brasil investiu em futebol para acalmar as pessoas durante a ditadura militar. O tri veio, viva pelé! A computação não. Mas pelo menos os EUA não tem copa!
O pai do Larry se torna professor da recém nascida “ciência da computação” lá para a década de 70. O Pequeno Larry deve ter ficado encantado com todo esse mundo e essa oportunidade que ele tinha pela frente. Com acesso aos computadores mais modernos do mundo na época e a relativa posição financeira confortável do pai professor universitário nos EUA e, claro, sua genialidade também, Larry funda o Google.
Pensem onde e como nossa família estava em 4 de setembro de 1998, dia da fundação do Google.
Curiosamente, mais ou menos na mesma época, aqui no Brasil, o Fernando Henrique tinha acabado de sancionar a “Lei pelé”, que determinava novas e importantíssimas regras para o esporte no país.
Uma história totalmente sintomática, não?
Eu não nasci determinado a ser nada, mas nasci em um contexto que regula minhas oportunidades. E é assim que a coisa é.
Reflitam se é possível, ou melhor, se teria sido possível, de alguma forma qualquer, qualquer um da sua família, ter desenvolvido o Google em 1998.
Nós não somos apenas o que nos determinamos a ser. Não é uma questão de força, foco e fé.
Você não deixou de desenvolver o Google porque é preguiçoso. Nós somos um resultado inevitável da história. Pegando de 100 anos pra cá, se um cara chamado Francisco Ferdinando não tivesse tomado um tiro em 1914, não teria eclodido a guerra que fragmentou o império otomano, que fez surgir o Líbano, que fez o bisavô vir parar no Brasil.
O simples fato de a gente estar AQUI e AGORA, é um resultado da história e estar aqui e agora é o que determina as suas oportunidades, não, é claro, o que você pretende fazer com elas.
A história não “ZERA”.
Não tem como achar que todos nascemos com as mesmas oportunidades e que tudo é uma questão de vontade, pois o mundo não reinicia a cada geração.
Há acúmulos, fracassos – seus e dos outros, e todo mais quanto é tipo de coisa que hoje determina EXATAMENTE quem somos e as probabilidades do contexto vocacional que nos permite empreender nisso ou naquilo com ligeiro potencial de sucesso ou devaneio.
Realização é oportunidade. Oportunidade é contexto. Contexto é geografia.
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