Com cada vez menos detalhes após a extinção absoluta de qualquer possibilidade de ornamento, com design totalmente formulado para a funcionalidade digital e com uma tendência à simplificação e minimalismos extremos, uma pergunta pode ser feita com relação ao trabalho de identidade visual das marcas de hoje em dia: até onde a gente consegue tirar?
Essa retração toda não pode estar nos levando ao modal inverso? É possível que essa austeridade e (de certa forma) estoicismo, leve-nos à identidades visuais cada vez mais visuais e com menos identidade? Por outro lado, quanto mais sóbrios, mais lúdicos: há um paradoxo no tornar mínimo que envolve a relação entre o absolutamente sisudo e o infantil?
Qual será o futuro do rumo que estamos tomando quando o assunto é conseguir desenvolver novos olhares sobre mesmos temas?
Não é segredo: sob a distraída atenção de nossos olhos as formas foram se tornando cada vez mais simplificadas, sem adornos quase que somente formas geométricas básicas ou polígonos pouca coisa mais complexa. As fontes sem serifa se tornaram a moda final da tipografia, sob a hegemonia do império Helvética e seus asseclas. As cores? Tão primárias quanto possíveis com variantes tonais revividas das paletas mais primordiais das possibilidades da impressão: após a dominação do flat todo mundo baixou a cabeça para a nova ordem mundial da identidade de marca, o mundo é dos mínimos, afinal.
Mas o que podemos esperar? Como se evolui com “mais mínimo” uma coisa que já é mínima? Será que já chegamos no auge da evolução da logotipia? Será que as marcas reformuladas para um estágio mínimo hoje, estarão fadadas a conviverem com si mesmas para a eternidade? Ou ainda há possibilidade de deixar mais mínimo? E se houver, será que não vamos esbarrar no mesmismo? Será que ao retirarmos notas e mais notas de uma melodia não nos restará apenas a mesma nota em todas as canções?
Ou ainda mais longe, será que não estamos no ponto da curva da espiral da história onde damos início à um retorno? Será que, de alguma forma, a gente poderá voltar a tornar as identidades visuais menos mínimas?
São certamente mais perguntas do que respostas e se você veio a esse texto esperando que eu responda a tudo com a minha leviana opinião, pode parar de ler por aqui mesmo para não perder seu tempo.
Não estou propondo soluções aqui, mas tão somente possibilidades para observarmos.
Vamos ponto a ponto.
UM FUTURO QUE VEM DE CIMA?
Primeiro: identidade visual não é logotipo, mas logotipo faz parte de identidade visual. Entender isso é crucial para entender o texto a seguir: há uma possibilidade enorme do protagonismo da assinatura visual – logotipo – perder cada vez mais protagonismo para uma multiplicidade imensa de itens de identidade visual.
Dito isso, uma outra coisa que precisamos deixar claro quando falamos de tendência da identidade de marcas (que é diferente de “futuro para identidade de marcas”), é que são tendências diferentes, elas não são orgânicas, não são naturais, são planejadas. Grandes agências com grandes profissionais pensam grandes marcas que vão definir o padrão de marcas médias que serão reproduzidas por marcas menores. Em um geral, o futuro natural das coisas segue um caminho contrário, o popular se torna o pontual. Trata-se aqui de uma maneira indireta de se entender tendências.
Por outro lado também, todos os anos, grandes instituições (como a Pantone ou WGSN, por exemplo) estudam e pensam tendências próximas, emergentes, partindo – muito provavelmente – de análises mais orgânicas, e estas análises ajudam a compor os estudos dos grandes profissionais de grandes agências que criam grandes trabalhos para grandes marcas. Há uma certa fusão de pensamentos sim, mas ao que tudo indica, prevalece a vontade e a visão autoral e pontual de grandes marcas sobre as “vozes das ruas”.
Estas grandes marcas norteiam as demais a ponto de tornarem-se quase o esqueumorfismo para as marcas seguidoras, ou seja, uma herança estética da qual dificilmente nos livraremos, como os rebites nas calça-jeans, mesmo hoje elas não precisando mais de rebites, o ícone de ligar, em um celular, ser um telefone que não existe mais desde os anos noventa, o ícone de contagem de tempo ser uma ampulheta (objeto que inclusive pouca gente atual já fez qualquer tipo de manuseio), etc. “Copiar” (por falta de termo melhor) as diretrizes de grandes marcas possibilita a identificação setorial direta e clara para os usuários de marcas menores ou iniciantes: aquela sensação que a gente tem, quando olha um lançamento de mercado, e entende de cara, mais ou menos do que se trata.
Desse modo, podemos entender que quando falamos de tendências em identidade de marcas ou logotipia em si, podemos estar falando de um mundo restrito e direcionado, no entanto, quando falamos de FUTURO (algo menos emergente e um pouquinho mais distante) para este mesmo ramo de estudo, a ideia é diferente, é algo que não pode ser autoral e que, de uma forma ou de outra, vai acontecer.
Então vamos lá!
SERÁ QUE SOMOS O PONTO FINAL DA EVOLUÇÃO ESTÉTICA?
Eu disse que não trairia respostas e certezas, vou ter que me retratar, ao menos uma eu tenho, e é a de que NÃO. Não estamos em nenhum tipo de linha final simplesmente pelo fato de que linha final não existe, e nem ao menos estamos em uma esteira evolutiva sequencial: a ideia de que o quê há hoje é um passo à frente do que houve ontem é um erro. Somos um passo diferente, mais adaptado ao hoje do que ao ontem, mas isso não significa que somos melhores. E nem que não virão outros.
A grande probabilidade é de que novas alternativas de design surgirão e que, ainda que sejam minimalistas, consigam se sobrepor ao minimalismo de hoje. A única certeza é a de que o hoje não é pra sempre, e toda tendência envelhece um dia.
Claro, a queda no que vou chamar aqui de adorno (me aproprio do termo para poder ilustrar todo “exagero” visual que aos poucos vai sendo retirado das marcas) é algo que acompanha a humanidade desde o início da revolução industrial.
Entendam: quando uma coisa é artesanal essa coisa vale por seus detalhes, por sua complexidade, pela quantidade de “coisas” que consegue ter, ainda que feita à mão. É raro que se consiga tanto “capricho” em algo artesanal, e o oposto do mínimo demonstra a excelência do artesão. No contexto industrial a coisa não vale pelo detalhe, vale pela escala e para escalar, muitas vezes, é preciso subtrair detalhes a que essa própria mentalidade industrial resolveu chamar de “desnecessários”.
E assim a gente vem cozinhando e internalizando um pensamento minimalista e funcionalista à mais ou menos 300 anos. Certo? Errado? Aí já não cabe a mim dizer, até porque eu também não sei.
Acontece que hoje, apesar de ainda possuirmos uma mentalidade industrial por criação, estamos em um mundo ascendente que exige uma outra mentalidade, a digital.
Claro, nessa fase de transição a gente tende a enxergar essa era como uma “evolução” da anterior, e podemos observar esse discurso claramente quando as pessoas defendem o minimalismo desenfreado nas identidades visuais por sua obrigação funcional mecânica: “temos que fazer logos que possam ser lidos em pequenos aparelhos, em pequenas telas, em pequenas postagens”. Embora seja uma desculpa digital, não obedece, certamente, à mentalidade digital.
O que vai vir por aí é um mistério, mas a certeza é que sim, vai vir por aí.
A ideia que parece seguir caminhando é a de que devemos estabelecer a maior pregnância (isto é, uma maior forma e estabilidade da percepção visual) para a menor quantidade de elementos possível. Isso já vinha ocorrendo, não é novo, a diferença é que hoje, essa maior pregnância não é apenas estética, funcional e/ou pragmática, mas também identitária: cada vez mais os designers se importam menos com a perfeição estética e mais com a conjuntura narrativa – um avanço – mesmo que isso possa significar “um tiquinho menos de mínimo de vez em quando”.
VAI CHEGAR UMA HORA EM QUE TUDO VAI SER IGUAL?
Acho bem difícil, principalmente pelo fato de que a mentalidade pós-digital ao mesmo tempo que aparentemente impôs algumas diretrizes que reforçam a “minimalização” das identidades visuais, também nos dará diversas aberturas. Mesmo antes desse aspecto digital, a responsividade da logotipia, ou seja, a capacidade que algumas marcas possuem de adaptarem seu logo ao local onde serão aplicados (podendo possuir formatos mais ou menos detalhados), pode ser ainda mais intensificada nos próximos cinco anos onde a gente tende a acirrar a mentalidade não linear, multidisciplinar, conectada e imprevisível e assim garantir que a comunicação visual não seja tão somente baseada na assinatura logotípica, muito embora algum tipo de assinatura deverá tender a existir.
Outro elemento que poderá ser um divisor de águas nesse tema é a capacidade de marcas de se tornarem proprietárias de elementos.
Quando eu pergunto qual é a cor do logo do Itaú a resposta imediata que vem à sua mente é “laranja”, no entanto, o logo do Itaú é azul e amarelo. Laranja é uma cor da qual a marca se apropriou e hoje é absolutamente evitada pela concorrência, tão impregnada ao banco “feito pra você”.
Tonalidades muito específicas e misturas improváveis de cores e tons, ainda que simplificados, podem ser alternativas de propriedade. Uma gíria, modo de falar, ou mesmo o tão assustador bordão, que retorna do ostracismo em forma de algum tipo de tag. Hieróglifos e ideogramas como emojis (ou tantas outras formas) poderão ajudar a compor a completude das identidades visuais das marcas somando-se vez sim e vez não às suas assinaturas e demais ítens.
O logotipo do futuro poderá ser um conjunto de ítens apropriados apresentados de formas diferentes, correspondendo sua forma ao seu conteúdo e seu conteúdo à sua aplicação.
Em outras palavras, em poucos anos poderemos ter – esteticamente falando – marcas que consigam apresentar uma responsividade mais intensa não somente somando e subtraindo elementos de um logo completo e robusto para um logo mais simplificado e que utilize apenas alguns elementos do logo “maior”, mas sim marcas que possuam uma grande reserva de propriedade de marca segmentada, assinando com forma E conteúdo diferente em superfícies diferentes para públicos que podem ou não ser ligeiramente diferentes.
Mais do que adaptação, a adaptabilidade é o termo: adaptação é execução, adaptabilidade é um estado e um estado requer dedicação e constância.
ESTÁ CHEGANDO A HORA EM QUE TUDO VOLTA?
Outra observação pertinente é com relação ao eterno giro da história. Como bem sabemos, a história é uma espiral crescente: sempre recorre ao passado mas nunca para reproduzi-lo, e sim para tomá-lo como base para um novo futuro.
isso acontece com a moda, com o comportamento e com as ideias em geral.
Não seria diferente com as marcas.
A serifa, por exemplo, parece que voltou. De cara nova, toda recatada, mas tá aí! Algumas cores com tonalidades que poderiam parecer antigas há cinco anos, hoje são “resgate”. É normal, é assim que a coisa acontece. Isso não significa que viveremos uma art-nouveau, ou que voltaremos ao abuso do adorno, a reprodução da história é modismo, a ressignificação da história é tendência. Portanto, isso significa apenas que o minimalismo que alcançamos hoje, poderá beber de outras fontes do passado e permitir que surja uma nova coletânea de cores, fontes, formas e movimentos possíveis para se trabalhar ao máximo – que é o tamanho do trabalho de se chegar ao mínimo.
Eu não investiria em reviver passados se eu fosse iniciar uma marca. Acreditar que não está na hora de trazer antigas tendências à tona pode ser um erro quando estamos em um momento de observar: o minimalismo de ontem ainda segue forte hoje, mesmo em grandes marcas.
Sendo assim, o que podemos compreender hoje como a logotipia do futuro pode compreender algumas palavras com base: adaptabilidade, multiplicidade, ressignificação e pregnância.
“a reprodução da história é o modismo, a ressignificação da história é a tendência”.
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