O dilema das redes: cinco motivos pelos quais é péssimo

Rapidamente, “O dilema das redes”, uma espécie de documentário que a Netflix produziu a respeito da situação caótica e praticamente incontrolável que as redes sociais se encontram hoje, tomou conta das conversas nas rodinhas mais cabeça da galerinha descolada.

Ou melhor, pra ser mais preciso e atual, rapidamente “viralizou”.

Há todo um fuzuê a respeito desse documentário e as pessoas estão exageradamente embasbacadas com o que viram alí.

Eu mesmo já fui questionado por vários amigos: e aí? Já assistiu?

Sem perder tempo, vou dar minha “opinião própria baseada em mim mesmo”:

É péssimo!

Péssimo e perigoso, mais perigoso do que o mal que ele assume combater. Mas vamos por partes.

Tentei fragmentar ser pontual com relação a tudo que me incomodou (talvez mais no barulho do que no documentário em si), mas vamos lá!

Primeiro: é tecnicamente ruim.

Aqui falando mais da forma do que do conteúdo sim.

De mau-gosto.

Mistura atuação com entrevistas reais e gera aquele inconfundível ar de quadros de denúncia do Ratinho ou Sônia Abrão – não que este tipo de abordagem seja sempre ruim, é só que O Dilema das Redes não soube executar. Assistir é penoso. Levei três dias por sempre dormia.

As atuações sofríveis, a direção tendenciosa, a produção duvidosa em todos os aspectos, dizendo (literalmente, mais uma vez) que Zuckerberg tem mecanismos diretos para iniciar um conflito na Guatemala quando bem quiser – e para quem pagar mais. Há cenas onde três funcionários diabólicos, representando os algoritmos, controlam o avatar holograma abatido e depressivo de um pobre garoto.

Assim, péssimo.

Eu entendo que é uma alegoria, ou seja, uma metáfora de muitas coisas, porém é exageradamente literal nessas metáforas e isso não é algo que simplifica para as pessoas, ou seja, que é simples, não! É SIMPLÓRIO. Empobrecido. O que me leva para o segundo ponto.

Segundo: é limitado.

Muita gente defende o tal doc dizendo “mas Augusto, você precisa entender que VOCÊ já sabia de quase tudo aquilo que está lá pois trabalha, de certa forma, com esse universo. A maioria das pessoas não! Esse doc é pra abrir a mente destas pessoas! Por isso foi tão direto e pareceu tão ultrapassado para você!”

Errado.

Esse documentário existe (rufem os tambores) para uma determinada BOLHA.

Quem assiste é porque já tem interesse no assunto, foi convidado por um amigo ou levado por algorítimos. É a bolha falando da bolha, ou seja, em geral, ele segue chovendo no molhada para pessoas que já estão na chuva para se molhar – dá uma olhada em que está realmente discutindo ele e quem ainda nem ouviu falar – e mesmo se ouvir vai seguir no bom e velho Friends mesmo.

Repare em quem e onde ele está sendo discutido.

Pra maioria das pessoas o documentário, se surge como indicação, só gera uma resposta: “sem tempo, irmão!”.

Terceiro: é radical.

Pra mim isso, além de ser o mais ridículo, é o mais perigoso, esse fatalismo.

Mostra um mundo que caminha inevitavelmente para o apocalipse (mais uma vez, hein, 2012?). Ele fala LITERALMENTE isso. Eu gargalhava e lembrava das manchetes noventistas onde uma saudosa Mãe Dinah nos alertava sobre como 99 ia ser um ano terrível e realmente não tinha o que ser feito – vai todo mundo perder.

O doc também termina falando que não há o que ser feito mais. Que vamos entrar em guerra civil e tantas outras pataquadas.

A meu ver, a única solução pra qualquer coisa começa com acalmar os ânimos.

O oposto do que esse documentário fez.

Radicalização e desespero são dois ingredientes perigosos ou é impressão minha?

E outra coisa, se já não tem o que ser feito, qual o propósito dessa galera? O que não tem remédio, meu amigo, remediado está.

Quarto: é o golpe dentro do golpe.

A Netflix não fez atoa. Uma empresa não age à toa. Nem o Facebook, nem a Netflix.

Tudo que ela diz no documentário, essa frieza e calculismo que as redes fazem, ela praticou também, inclusive COM esse documentário.

Mais uma vez a maior rede de streaming do mundo produziu conteúdo baseado em algoritmos. Nem critico, só revelo – caso ainda haja dúvidas – tudo que a Netflix produz e lança é baseado nos dados que ele recebe dos seus consumidores.

Isso sim é um plot twist, não é mesmo? Teria salvado o documentário se tivessem terminado com essa revelação.

Quinto: foco errado.

O doc fala do “embolhamento” como o grande mal das redes – que cega e nos fecha os olhos como nunca antes na história humana.

Aliás, ultimamente o termo “bolha” tornou-se o bode expiatório para muitos desafios e desafetos da sociedade atual, tendo as redes sociais como grandes culpados por sua existência.

mais uma vez, não demoramos para encontrar a solução mais simples: regulamentar, proibir, vetar, cercear, negar. Este parece ser sempre o caminho mais seguro, direto e prático: encontrar um culpado e proibir o culpado. pronto. resolvido. claro, proibir vem se tornando uma palavra feia, então a gente encontra outros meios de usá-la, como “limitar” e “burocratizar”.

mas será que funciona? e será que a gente encontrou o culpado certo? aliás, será que existe um?

nas cavernas vivíamos em bolhas tribais. não havia divergência de pensamento dentro da tribo. na idade média, por exemplo, em bolhas religiosas: toda informação que você precisava na vida provinha de apenas uma diretriz. a bolha era tão forte que você nem ao menos sabia que existia mais coisas além da bíblia e da homilia.

no século XIX ninguém lia um jornal com opinião que não gostava. nos anos 30, era o rádio – que nos “presenteou” com Hitler.

enfim, ninguém compra um livro com temas que não aceita. ninguém se junta a grupos de pessoas ou rodas de discussão onde sua opinião não é bem-vinda e as informações não condizem com o suas crenças e autoverdade.

isso é humano, não é tecnológico. o ser humano não é uma ilha, mas é uma bolha.

O único momento na história onde surgiu alguma possibilidade de expandirmos ou sairmos de nossas bolhas, foi agora – justamente com as redes sociais.

as redes sociais, embora pareçam nos empurrar algoriticamente sempre o mesmo conteúdo, nos conectam com pessoas e mesmo as pessoas mais próximas e semelhantes com a gente e com o nosso pensamento, divergem em algum ponto ou outro. Esse ponto de divergência abre espaço para mais alguma pessoa ou algum outro conteúdo exposto para nós. além disso, todo o acesso é livre e todo acesso é aberto.

Não, as redes sociais não são um mar de rosas, mas isso é porque são sociais, e tudo que é sociedade não é perfeição, pois é feita de inúmeras células individuais chamadas “humanos” e sabe o que é humano? Errar é humano!

existe sim a necessidade do lucro, uma vez que são empresas, mas se as redes são um potencializador da manipulação da opinião (que sempre foi o maior fetiche humano).

Porém, pela primeira vez temos a possibilidade de contrapor à mesma altura.

é ilusório achar que a regulamentação frenética de conteúdo e opiniões através da forma vai, de alguma forma, limitar esse conteúdo e essas opiniões em sua essência.

MAIS UM POUCO…

Por fim, Do “mito da caverna”, de Platão, até o seu Facebook, o embolhamento é um pilar social quase biológico. Se a luta é para que as pessoas sejam menos radicais e mais abertas a novas opiniões (ou até mesmo que se abram novamente para velhas verdades como a Terra ser redonda, por exemplo) só existe um caminho, o convencimento.

Qualquer tentativa de cerceamento, imposição ou proibição leva ao caminho contrário, que é o fortalecimento do radicalismo e a busca por novos meios de se embolhar com ele.

Convencimento não é fácil e nem rápido, mas dentro da roda da história é a unica forma de resolver, e adivinhem só? A ferramentas que estamos culpando, é a única capaz de nos ajudar. Todo o resto é imposição e nenhuma imposição se autolimita: começa com uma coisinha, termina com várias “coisonas”.

Cuidado com o que vocês assistem por aí, principalmente se o que vocês assistem também é fruto de um algoritmo para manipular sua atenção.

Mais uma vez, mas aí a culpa já não é da Netflix.

Lenin chegou ao poder por panfletos. Hitler pelo rádio. Quantas atrocidades não vieram na época da TV – e muitas por conta dela?

A gente não proibiu os panfletos, a gente não proibiu o rádio, a TV.

Mas a gente sempre tentou.

Sempre teve alguém pedindo mais regulamentação, mais controle, mais lei.

Não que nada disso deva existir, mas eu sigo dizendo: a quem cabe o direito da censura? Quem vigia o vigilante?

Não é tão simples sair por aí gritando “mais controle” (se ao mesmo tempo você morre de medo de ser controlado) e achar que só vai acontecer o controle do que vc quer, do lado que você quer, pela verdade que você acredita.

Cada mínima abertura para a entrada de mais controle é uma abertura irrefreável.

Ela pode parar por algum momento, mas não volta ao que era antes.

Depois dela, temos que criar mecanismos para contê-la e, adivinhem? Eles vão exigir outros controles, e assim vamos.

Enfim, para quem tiver estômago de avestruz e cabeça de bagre, assista.

O documentário é pra você.

Pros demais, relaxem. As redes são um lixo mesmo, mas a culpa disso não é de um pequeno grupo de pessoas na califórnia não.

É sua.

E enquanto você não entender isso, segue o baile da caverna.

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